Paul OTLET (*)
(Introdução ao trabalhos do Congresso Mundial da Documentação Universal, realizado em Paris, em 1937)
I….DOCUMENTOS E DOCUMENTAÇÃO
II…ELEMENTOS DA DOCUMENTAÇÃO. MATERIAIS E ESTRUTURA
III..O SISTEMA DE PUBLICAÇÕES CIENTÍÍFICAS
IV…PERIÓDICOS. REDAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE MEMÓRIAS
V….AS NOVAS FORMAS DE DOCUMENTOS: FOTOS, FILMES, DISCOS
VI…DOCUMENTO ISOLADO E CONJUNTO DE DOCUMENTOS
VII..AS CIÊNCIAS. CONSTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO. SÍNTESE
VIII.A ENCICLOPÉDIA
IX…A DOCUMENTAÇÃO ADMINISTRATIVA
X….OS MUSEUS E A DOCUMENTAÇÃO
XI…OS ORGANISMOS DE DOCUMENTAÇÃO. BIBLIOTECA. CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO
XII..AS ASSOCIAÇÕES INTERNACIONAIS E A DOCUMENTAÇÃO
XIII.A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL
XIV..A REDE DE DOCUMENTAÇÃO UNIVERSAL
XV…CONCLUSÃO
I DOCUMENTOS E DOCUMENTAÇÃO
1. Documento é o livro, a revista, o jornal; é a peça de arquivo, a estampa, a fotografia, a medalha, a música; é, também, atualmente, o filme, o disco e toda a parte documental que precede ou sucede a emissão radiofônica.
2. A Documentação é constituída por uma série de operações distribuídas, hoje, entre pessoas e organismos diferentes. O autor, o copista, o impressor, o editor, o livreiro, o bibliotecário, o documentador, o bibliógrafo, o crítico, o analista, o compilador, o leitor, o pesquisador, o trabalhador intelectual.
A Documentação acompanha o documento desde o instante em que ele surge da pena do autor até o momento em que impressiona o cérebro do leitor.
Ela é ativa ou passiva, receptiva ou dativa; está em toda parte onde se fale (Universidade), onde se leia (Biblioteca), onde se discuta (Sociedade), onde se colecione (Museu), onde se pesquise (Laboratório), onde se administre (Administração), onde se trabalhe (Oficina).
II. ELEMENTOS DA DOCUMENTAÇÃO. MATERIAIS E ESTRUTURA
1. Em todo documento devem ser consideradas três ordens de elementos: os elementos materiais (substância, forma e acabamento), os elementos gráficos (textos, imagens reais ou convencionais, notações), os elementos intelectuais.
Os elementos intelectuais são os mais importantes; mas sua possibilidade de expressão está, porém, em função dos dois primeiros. Trata-se, sempre, de dar forma a qualquer fragmento retirado da realidade, de exprimí-la tal qual ela é, ou de maneira tal que a imaginação possa representá-la. Para esse fim escolhe-se (elimina-se, retém-se, deforma-se, amplifica-se, diminui-se, exagera-se ou atenua-se) e grupa-se em uma certa ordem. A escolha e o agrupamento são determinados pelos fins que podem ser: ou registrar objetivamente o que é, ou o de fazer compreender por certa categoria dada do espírito, ou o de persuadir a fim de obter tal adesão ou tal ato voluntário, ou, ainda, o de distrair, divertir, exaltar, encorajar, consolar.
As operações e os produtos da documentação (todas as espécies de documentos) ocorrem no ciclo assim definido. O homem, alternativamente, retira idéias da realidade ou introduz idéias na realidade; entre a realidade e a idéia intervém, cada vez mais, os documentos que, por sua vez, servem à elaboração de novos documentos. O conjunto dos documentos existentes deve ser constantemente caldeado e macerado, submetido às operações de uma ‘química’, mais exatamente, de uma ‘metalurgia documental’ (pois que se trata da extração de elementos, da refinação, de liga e de soldagem). Da mesma maneira que se deve separar de sua ganga o metal puro, assim separa-se a verdade, original e tida por dita uma vez, da massa de erros e de repetições.
Não é bastante, assim, à documentação produzir e acumular confusamente; ela deve remontar a seus fins, saber registrar segundo a ciência, saber criar segundo a arte e saber aplicar segundo a utilidade.
2. Na Documentação trabalham, continuamente, duas tendências: uma, a especialização, donde a divisão de tarefas, outra, a combinação, donde a colaboração. Encontram-se essas tendências no ciclo inteiro das operações: produção, distribuição, conservação e utilização.
Por conseguinte, todas as publicações devem conformar-se a esse princípio: possibilidade de comparar, uns com os outros, os resultados expostos, de acumulá-los, de acondicionar de maneira diversa seus elementos e isto só é realizável com um mínimo de disposições que digam respeito à forma, tanto material quanto intelectual. Em particular, aplica-se este princípio no que diz respeito às notícias históricas originais publicadas em periódicos, se as considerarmos como uma produção da qual todo o conteúdo, através dos resumos, das anotações, das críticas e das dissecações, está destinado a passar, em seguida, pelos ciclos das formas documentais sistemáticas.
3. O espírito cria, incessantemente, formas intelectuais; incessantemente, estas se reproduzem da mesma maneira que as espécies naturais, plantas e animais, se perpetuam através da vida e da morte dos indivíduos. A realidade documental, por conseguinte, se apresenta como fundo e forma. O fundo são os materiais acumulados; a forma são as estruturas sob as quais se apresentam. A desobstrução do que possa ajudar esta produção contínua não é uma das menores tarefas da documentação racional. Quanto melhores forem os materiais, quanto mais sólidos e de maior mobilidade, tanto mais fácil será enquadrá-los nas diferentes estruturas. Reciprocamente, quanto mais facilmente forem transformáveis e desmontáveis essas estruturas, tanto maior será a facilidade que se encontrará na utilização dos materiais num maior número de estruturas diferentes. A Física resolveu o problema da transformação de todas as formas da energia, umas nas outras. A Documentação, por sua vez, deve resolver o problema da fácil conversão de estruturas ou conjuntos, uns nos outros, da utilização múltipla dos materiais ou elementos.
4. A Documentação propõe tal problema em termos tanto mais audaciosos quando o espírito, já se tendo elevado muito alto no sentido da generalização e da abstração, pode, presentemente, invocar em seu auxílio a arte sutil do cálculo, assim como o das máquinas maravilhosas nascidas desta mesma arte. Estas máquinas realizam sempre, em número cada vez maior, as operações intelectuais que, durante muito tempo, erradamente, acreditavam-se reservadas ao espírito, tão somente. O espírito, nos dias de hoje, está vestido, armado, equipado; tem seus instrumentos. Os documentos que estes serviram para produzir são, por sua vez, novos instrumentos para a produção de outros. É o ciclo.
III O SISTEMA DE PUBLICAÇÕES CIENTÍÍFICAS
1. Pode-se, teoricamente, considerar uma organização que, para cada domínio dos conhecimentos e das atividades e sobre uma base de cooperação internacional, compreendesse as dezesseis formas seguintes de publicação:
a)elementos de documentação: fichas bibliográficas e analíticas de documentação bibliográfica ou analítica;
b)coleção de documentação bibliográfica ou analítica (títulos ou análises);
c)coleção de documentação sinótica (dados numéricos, constantes, estatísticos);
d)atlas de mapas e de quadros;
e)coleções de monografias;
f)revistas (notícias sobre progressos recentes):
g)anuários informando sobre as pessoas e as instituições;
h)coleções de textos antigos ou clássicos;
i)catálogos-inventários das entidades ou objetos do domínio considerado;
j)terminologia;
l)notações e símbolos fundamentais;
m)classificações;
n)trabalhos gerais sistemáticos;
o)dicionários ou enciclopédias alfabéticas;
p)planos coordenados de pesquisas;
q)códigos de resoluções (indicações e votos, regras, métodos, convenções dos organismos internacionais qualificados).
Estas formas de publicação cobririam, assim, o campo inteiro de cada ramo do conhecimento e, portanto, por totalização, o campo inteiro da Ciência.
2. Numerosas associações internacionais, algumas muito poderosas, deram início à organização racional dos conhecimentos e das atividades, cada qual dentro do seu domínio particular. Estas associaçães contam-se às centenas. É chegado o momento em que, assumindo a tarefa de dar uma organização intelectual a tudo que interesse a suas finalidades, essas associações darão lugar à Documentação. Consequentemente, a elas cabe presidir, segundo os princípios federativos e cooperativos, à edçãão do sistema de publicações necessário à coordenação dos esforços futuros.
3. Poderiam ser tomadas medidas para declarar qualificados apenas os trabalhos cujos autores tivessem conhecimento da matéria aparecida nas publicações do sistema, e que tivessem decidido, eles próprios, a conformarem-se às normas estabelecidas. Seria dispensada, desse modo, a procura de outras fontes, procura que equivaleria, verdadeiramente, à de agulhas em palheiros. O sistema daria uma base sólida à ‘República das letras e das ciências’ e, também, um meio de impor suas leis organizadoras, a exemplo do esporte que, pela desclassificação, e apenas por tal meio de coação, conseguiu fazer suas regras respeitadas.
4. Pode-se considerar mais, teoricamente, também. As bibliotecas de todo o mundo, representando os leitores, e as Associações científicas que produzem ou controlam as publicações dos autores se uniriam em uma vasta cooperativa: de produção-venda, para uns, de consumo-compra, para outros.
Seriam assim resolvidas as incertezas quanto ao financiamento mínimo das publicações, essenciais que são para assegurar a marcha da Ciência.
IV PERIÓDICOS. REDAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE MEMÓRIAS
1. O lugar eminente que ocupava outrora o livro veio a ser ocupado pelo periódico. Diz-se que há, pelo menos, 30 000 periódicos nos quais são lançados artigos, análises e relações de obras, informações.
2. Esta massa considerável destina-se a ser recebida, estudada bibliograficamente, catalogada, analisada, conservada, distribuída à leitura, lida e incorporada aos instrumentos gerais de documentação. Desnecessário é dizer que todo o progresso de que é suscetível o preparo e emprego desse material é de natureza a acrescer-lhe o rendimento.
3. Este progresso pode firmar-se sobre cada um dos elementos: títulos, sumários e tabelas; conteúdo das matérias tratadas, abreviação dos títulos; datas; modo de citação dos periódicos; medição em cíceros ou extensão das linhas; composição; caracteres tipográficos; paginação; grandes rubricas ou títulos coletivos; distinção em parte oficial ou não oficial; ilustrações; resumos dos artigos em diversas línguas; resumo junto ao impresso; sumários e índices; publicidade; anúncios, classificação e índices. Estes vinte pontos foram objeto de observações, de comparações e de recomendações. É desejável que se tornem gerais, universais e que o Congresso elabore, do ponto de vista documental, um modelo de periódico, sujeito sempre a revisões e a modificações, propondo-o à livre crítica geral não obstante sua condição de melhor e mais racional modelo do que se deveria realizar.
4. Um grande progresso é de se esperar da indicação do periódico não somente como uma entidade documental independente, mas, também, como elemento de um conjunto maior (Sistema de publicações e Enciclopédia documental).
V AS NOVAS FORMAS DE DOCUMENTOS: FOTOS, FILMES, DISCOS
1. Os documentos prendem-se a um conjunto de sinais: visuais, uns; auditivos, outros. Todos os sentidos do homem poderiam ser utilizados para esse fim (Ex. a escrita tátil dos cegos). Porém, na realidade, apenas a vista e o ouvido deram lugar a desenvolvimento no qual se associam, constantemente, entre si. Um texto é a visualização de caracteres que evocam o som da palavra; o cinema falado faz ver e ouvir, simultaneamente, no que está com a radiofonia prestes a aliar-se à televisão.
2. À Documentação, daqui para o futuro, cabe tirar as conclusões destes fatos e da extrema significância que tomaram na realidade social. O livro de hoje, em relação ao livro de ontem, pode ter conservado seu lugar, porém, foi desalojado da posição quase exclusiva que ocupava no tempo em que Livro e Bíblia eram, por assim dizer, equivalentes.
3. No novo conjunto, o microfilme (fotomicrofilme) está prestes a ocupar todo um setor. Em bobinas ou em ‘plaquettes’, já reunidas em apreciáveis coleções; com minúsculos aparelhos para a filmagem e outros para a projeção, o microfilme vai modificar as próprias condições da organização documental. Os trabalhos originais, acompanhados da confusa, mas utilíssima aparelhagem de suas ilustrações, mapas, diagramas, anexos, etc., não mais serão reduzidos de modo a torná-los cabíveis no limitado espaço dos periódicos. Confiados aos Centros de Documentação e por estes atestada a data cientificamente certa, estes trabalhos lá ficarão depositados, prontos a serem reproduzidos por filmes (eventualmente por cópias fotostáticas ampliadas), a qualquer pedido. Os grandes centros poderão limitar-se ao anúncio bibliográfico dos trabalhos neles depositados. Disso resultará um auxílio extraordinário aos trabalhos de especialização dos quais, embora interessando a grupo reduzido, o progresso geral da ciência depende.
4. Em todos os sentidos, o desenvolvimento deve ser esperado. Com as máquinas para compor e com as grandes impressoras tornou-se necessário trabalhar tendo em vista a quantidade, em detrimento da qualidade. Pela cópia fotostática (reflectografia), pelos processos econômicos do decalque, pelos processos da duplicação colorida (Fordigrafia), podem-se conceber edições sem inversão de grande capital. Os meios de reprodução oferecem, assim, todas as possibilidades de uma curva ascendente, de um exemplar à significativa tiragem de milhões de exemplares, por meio de clichês metálicos.
5. Progride, por outro lado, a gravação do som (fonografia). Fazem-se verdadeiros fonogramas empregando-se material, de tão leve peso que se pode expedí-los como correspondência ou carta. Um passo a mais no sentido do progresso: o escrito pode, assim, ser lido, digamos, como aumentado por uma lente.
Desse modo, seriam substituídas a escrita e a leitura natural pela transcrição artificial da palavra em sinais arbitrários. A entonação viria juntar-se à articulação. Bastaria, então, um aparelho que transformasse a palavra falada em um texto escrito foneticamente, desembaraçado, por conseguinte, de toda ortografia e de toda etimologia. A estenografia conduziu a esse estado e já possui mesmo máquinas especiais (estenótipo).
6. Que se concentrem as invenções, que sejam dirigidas para fins elevados, definidos e propostos antecipadamente; que se aumentem os prêmios reservados para a multidão de interessados pelas iniciativas, e então novas maravilhas se realizarão. A telecomunicação assumiu a posição de pioneira.
Amanhã será ela seguida pela teledocumentação. Visão artificial!
‘Um dia, dizia Hetzel, há mais de um século, o lenhador sentado diante de sua choupana, na floresta, poderá ler os livros que lhe serão enviados por um sistema de bibliotecas’. Hoje em dia, eis realizada a predição! Diremos, por nossa vez, ‘Um dia, bastará fazer mover pequenas agulhas, sobre um quadrante numerado de um mostrador, para ler, diretamente, as últimas informações dadas pela Enciclopédia Mundial, disposta como um centro de irradiação contínua. Esse será o livro que, contendo todos os assuntos, estará à disposição do universo.’
VI DOCUMENTO ISOLADO E CONJUNTO DE DOCUMENTOS
1. Todo documento é o resultado de múltiplas operações e combinações. Na sua elaboração são aproveitados todos os estágios do processo de documentos anteriores para prolongá-los em novos documentos; todos os elos das cadeias são interdependentes e solidários. Sob um primeiro aspecto, o documento existe de per si, nele próprio encontra seu fim; porém, sob um segundo aspecto, é parte da totalidade documental. Assim, às operações de redução, impressão e edição sucedem-se as operações complementares de bibliografia (catalografia), de inserção nas coleções, de dissecação do conteúdo do documento e sua posterior inclusão nos arquivos, de coordenação dos dados a serem distribuídos por seus respectivos conjuntos.
2. O estabelecimento de ligações entre estas operações trará o auxílio de umas à realização das outras. Parece, até agora, que as ações de produzir um livro, conservá-lo para utilização, examiná-lo bibliograficamente, analisá-lo e dissecá-lo no seu conteúdo ideológico, têm permanecido no âmbito exclusivo de três ordens de atividades mantidas separadas: autor e edição, biblioteca, centro de documentação (stricto sensu). A distinção pode estar de acordo com a divisão do trabalho, mas não deve ir ao extremo da compartimentação estanque. As regras documentais devem, então, constituir uma unidade, sendo cada uma delas regida pelas outras.
VII AS CIÊNCIAS. CONSTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO. SÍNTESE
1. Conforme seja o documento considerado em si mesmo ou em sua relação com o conjunto de documentos, dar-se-á uma mudança de ponto de vista. Esta mudança será tanto mais sensível se da consideração dos documentos passar-se à consideração da Ciência da qual são expressão.
2. O problema do crescimento contínuo e rápido das ciências propõe, hoje, outro problema, qual seja a assimilação rápida e fácil dos conhecimentos. A Ciência, a Técnica, a Economia são suscetíveis em si mesmas de simplificações apreciáveis no trabalho da redução do complexo ao simples, da multiplicidade à unidade, do particular ao geral. Há nisso uma obra paralela ao crescimento propriamente dito: trata-se de construir e de reconstruir o edifício, tendo em vista o fim maior, ou seja, que o espírito, ao invés de ser colocado diante de uma multiplicidade de disciplinas, sem relações claras entre si, se veja diante de uma ciência universal, fundada sobre métodos também universais.
Surgem aí as exigências da sistematização e da síntese, que conduzem a colocar acima de milhões de particularidades e sobre diversos estágios de seus agrupamentos, algumas centenas de leis ou proposições gerais, tendo em vista, constantemente, sua redução em número. Paralelamente, há a complexidade de nossa civilização, de nossas máquinas e instrumentos científicos, de nossa educação, além da de nossa cultura, que podem ser simplificadas.
3. Sabemos que o livro permitiu a edificação de nossas ciências, cujos arcabouços são imensos; melhor compreendido, mais aprofundado em sua estrutura e em seus meios de expressão, o livro é chamado a desempenhar papel capital se tivermos em conta sua própria evolução. Principiou-se com a produção de livros sem divisão, sem paginação, sem índice, sem sumários, sem título mesmo (‘incipit’ dos manuscricos). A estrutura interna das diversas espécies de livros cresceu extraordinariamente por disposições empíricas e frequentemente fantasistas. Entretanto, em todos os setores do conhecimento, sob o império de necessidade basilar viu-se a produção de uma variedade de formas intelectuais, lembrando, sobretudo, o que foi observado na literatura. A exemplo do ocorrido com os gêneros literários, nasceram formas de exposição científica cada vez mais precisas, mais coerentes, mais entrelaçadas. Imaginemos uma lei, uma convenção articulada, um diploma com suas obrigações, um quadro de observações econômicas, um gráfico de organização industrial.
4. Todo fato, toda ideia, toda teoria é suscetível de revestir-se de uma forma escrita, desenhada, simbolizada, que corresponde a essa necessidade de construir o mais complexo partindo do mais simples. A matemática disso fornece um primeiro exemplo: suas fórmulas são poderosos meios de condensação. O esquema fornece um outro exemplo, bem como os meios intensivos de representação e visualização. Há, enfim, todo um futuro entrevisto nas máquinas selecionadoras e calculadoras automáticas, que oferecem tipos de uma potência já extraordinária e prestes a generalizar-se.
VIII A ENCICLOPÉDIA
1. É antiquíssima a ideia da Enciclopédia: os tratados de Aristóteles, as Súmulas na Idade Média, a obra de Diderot e d’Alembert, as as publicações enciclopédias modernas. Uma nova concepção é proposta, presentemente, aos esforços de todos. Trata-se de, como complemento aos livros e aos documentos – que são individuais – e utilizando-os, congregar todas as forças na realização do Livro universal, o que vale dizer, na realização de um conjunto estruturado cujos quadros possam receber, de maneira única, sem repetições, sem lacunas, numa ordem uniforme de classificação, os dados provenientes de todas as fontes, englobadamente consideradas. ‘Uma Soma das Somas’ (Summa Summarum).
Teria duas partes a Enciclopédia Universal:
A) Documental: sob esta forma, que seria a de um quadro único, infinitamente particularizado, no interior do qual, em suas divisões, ciência por ciência, viriam ocupar seu lugar, de maneira quase automática, os dados constantemente atualizados pelo sistema de publicações referentes a cada disciplina.
B) Sistemática: sob esta forma, que seria um quadro análogo ao anterior, no qual, porém, teria lugar apenas uma série de exposições, tabelas, apresentando de maneira sistemática, coordenada e visualizada, os dados essenciais de cada ramo do conhecimento. A obra essencial do organismo diretor da Enciclopédia seria assegurar a instituição desses quadros expositivos. A esse órgão diretor, à sua cooperação, competiria fazer com que, sem lacunas, sem duplicidade e sem desproporção, todo o conteúdo essencial da Enciclopédia documental, alimentada automaticamente, como se disse, fosse realmente expresso de maneira sintética, pela aplicação do método adequado.
3. Os que do livro se utilizassem seriam colocados, assim, diante de um instrumento único, disposto em uma única ordem. A elaboração do livro far-se-ia de maneira contínua, graças ao sistema de fichas (folhas, pastas, classificadores): combinar-se-iam os quadros sintéticos e os dados de atlas com os repertórios analíticos formados pelo desbastamento dos materiais da enciclopédia documental. A obra seria comum às grandes Associações Internacionais de cada especialidade e às grandes Administrações nacionais de cada país.
4. A Enciclopédia deve ser uma obra, não transitória e acabada, porém, sempre em via de complementação, de revisão e de refusão; deve ser a própria imagem do pensamento e da realidade, que estão perpetuamente em movimento, em crescimento e em transformação.
5. Assim concebida, a Enciclopédia apresenta-se como o coroamento e o vínculo do sistema de publicações por intermédio do qual seria facultado a todos nela fazer inscrever seus próprios dados. Depois das Enciclopédias nacionais, a Universal, pode-se conceber, exerceria para todos as funções de um livro universal de referências. Depositada nos Centros de Documentação poderia consultá-la quem o quisesse fazer, a qualquer momento, com a consequência cultural e social de que suas ideias, seus sentimentos, suas atividades seriam profundamente afetadas. A Humanidade possuiria seu instrumento de medida intelectual. (Ver a recente exposição feita, em Londres, à “Royal Institution”, por H.G. Wells, sobre a necessidade social e internacional da Enciclopédia Mundial). Uma parte da Enciclopédia compreenderia, atualizados, os “standards” os melhores tipos que, em todas as matérias, a técnica e a economia social permitem propor à iniciativa de todos: a codificação da marcha dos conhecimentos, constituída pelos votos e resoluções dos grandes congressos.
IX A DOCUMENTAÇÃO ADMINISTRATIVA
1. As populações tornadas mais numerosas, seus meios mais complexos, sua interpenetração e interdependência maiores, forçoso é, então, para evitar o caos na sociedade humana, nela conseguir a realização de mais ordem. Esse objetivo diz respeito à Administração do Estado, da Profissão, do Capital, das Associações. Tal empreendimento numa sociedade que, incessantemente, se economiza, se industraliza, se intelectualiza, se universaliza, “se planifica”, não é realizável a não ser pela documentação.
2. Tem-se consciência desse papel da documentação ao considerar-se os múltiplos fatores que entram em jogo na administração e que se podem exprimir por esta fórmula: “Para o fim (A), definido e desenvolvido segundo o plano (B), repartido circunstanciadamente no tempo e no espaço, de acordo com o programa ou orçamento (C), na execução das ordens e instruções (D), conformando-se aos métodos (E), submeter-se a matéria e os objetos (F), a uma série de operações (G), fazendo neles intervir os agentes pessoais (individuais ou coletivos) (H), os agentes materiais (matérias, forças, propriedades) (I) e as máquinas e utensílios ou instrumentos (J) , de maneira a obter os produtos ou resultados (K), destinados a integrarem-se no conjunto (L)” .
3. A Documentação intervém em cada um desses onze fatores e liga-os, sem interrupção, em um ciclo. Para tal fim, desenvolveram-se certos instrumentos documentais como o Plano geral de organização (harmonograma); a Classificação geral das matérias; o Manual geral de instruções; o Relatório permanente; as Fórmulas coordenadas; o Registro contínuo de dados administrativos em pastas, registros móveis e fichários de assuntos. A Contabilidade ordena-se de tal modo que conduz a um balanço permanente, do qual surge a Estatística. Balanços e estatísticas agrupados de escalão em escalão, devem englobar as formas nacionais e mesmo as mundiais, conduzindo à previsão, por intermédio do sistema orçamentário. A Documentação técnica ou científica, a todo momento, liga-se à Documentação administrativa.
4. Pela documentação organizada, a Administração torna-se mais consciente e pode fazer seus serviços conhecidos a seus administrados. As publicações editadas em sistema, para isso contribuem, repousando todas sobre os próprios documentos internos. O uso de cartazes e gráficos, por seu turno, constitui grande meio de publicação. Pode-se conceber, também, um estabelecimento público, de um novo tipo, consagrado, em todos os países, à exposição permanente dos assuntos relativos à Nação, colocando, sob os olhos do público, suas imagens vivas, tais como surgem das fontes administrativas e das científicas (generalização, permanente, do que já começou a ser feito nas exposições).
5. Um problema propõe-se: o Arquivo Universal. Tal arquivo pode ser concebido pela documentação administrativa da mesma maneira pela qual a Documentação mundial é concebida pela documentação científica. Seria ele, também, uma estrutura destinada a receber todos os dados, manuscritos, datilografados, estenografados, em ‘stencil’ ou impressos, que digam respeito à mesma administração
O Arquivo Universal seria o instrumento unitário indispensável a uma Administração desejada eficiente, progressista e coordenada. Seria o meio do qual se utilizaria para conceber, nitidamente, os princípios, o método, o plano de sua ação; seria o meio de exercer sua direção, sua impulsão e seu controle sobre todos os seus ramos e sobre os funcionários que lhes forem necessários. O Arquivo conduziria ao equipamento de uma verdadeira ‘cabine de direção’, colocando à disposição dos chefes a aparelhagem que outras cabines de comando e de pilotagem (navios e avião, ‘dispatching system’, quadros das centrais elétricas) nos fazem imaginar.
X OS MUSEUS E A DOCUMENTAÇÃO
1. Ao lado dos textos e imagens há objetos documentais por si mesmos (Realia).
São as amostras, espécimes, modelos, facsímiles e, de maneira geral, tudo que tenha caráter representativo a três dimensões e, eventualmente, em movimento. O desiderato do ‘de visu’ acrescenta-lhes a importância.
2. Com objetos formam-se coleções de que se originam Museus. Existem-nos, atualmente, de tudo: guerra, marinha, indústria, agricultura, história, política, história das Ciências, todas as formas da técnica, do trabalho e da arte. Relacionaram-se 2 000 museus, apenas nos Estados Unidos; os maiores e mais conhecidos são representados, em outros países, pelo Louvre, pelo Conservatório de Artes e Ofícios, pelo ‘British Museum’, pelo ‘Science Museum’, pelo ‘Deutsches Museum’ e pelos museus russos. Em nossa época, de extraordinário crescimento do saber e da atividade humana, compreendeu-se ser necessário fornecer material de estudo aos pesquisadores, às pessoas medianamente cultas, documentação sistemática e visões panorâmicas de aspectos das ciências e do trabalho que, doutro modo, permaneceriam, para elas, domínios impenetráveis.
3. Nas recentes realizações dos Museus, procura-se unir a realidade concreta objetivamente apresentada, ou fotograficamente reproduzida, aos textos explicativos, aos quadros sinóticos, genealógicos e cronológicos; às cartas, aos esquemas abstratos. Montagens e mecanismos simplificados mostram o movimento e produzem efeitos sob influências de causas. Encontram-se nelas reconstituições históricas, experiências ligadas às demonstrações; a realidade atual completada pelo prolongamento no futuro, antecipação; a prática unida à teoria. Os Museus são, assim, criadores e não mais simplesmente, colecionadores e conservadores; apresentam conjuntos. Toda uma técnica de apresentação (mostra) nasceu. Passem os visitantes pelas salas, venham os objetos oferecer-se à sua apreciação animados por transportadores diversos: vitrinas giratórias, tapetes rolantes, a documentação objetiva aí está em ação. É o nascimento da Museografia.
4. Relacionada ao Museu, embora temporária, a Exposição, aqui especializada e nacional, ali internacional e universal, é imensa acumulação de objetos que ilustram textos, dado o valor das vistas animadas. Acreditou-se ter a Exposição Universal terminado seu ciclo de vida depois de 1900. Ela renasce: Bruxelas, Paris, New York, Roma; completa-se pelas feiras de amostras, é uma ponte lançada para os Museus.
A Exposição da Romanidade que festejará este ano (1937) o bimilenário de Augusto, irá, diretamente, enriquecer o ‘Museu Imperial’.
5. Duas ordens de fatos se apresentam. O Museu tornado criador vê reproduzir-se alhures a obra de reunião e exibição que realizou. Por outro lado, o processo de esboço e de moldagem fez progressos tais que se dispõe, presentemente, de um meio de reprodução de documentos, a três dimensões, evocando as propriedades multiplicadoras da impressão gráfica.
6. Nasceu, enfim, a concepção do Museu Documental universal. Em face dos objetos, de sua apresentação e verificação, deve ser o Museu o que é a Enciclopédia para os documentos gráficos que por ele são, também, largamente utilizados. (o Museu Mundial, o Mundaneum e sua Rede Universal proposta).
XI OS ORGANISMOS DE DOCUMENTAÇÃO. BIBLIOTECA. CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO
1. Para efetuar as operações de documentação, para conservar o documento, foram criados organismos. Há as Bibliotecas, os Arquivos, os Centros de Documentação, os Museus. São os grandes depósitos de tesouros intelectuais da Humanidade. É considerável seu número. Anuários internacionais, cada vez mais completos, deles se originam.
2. O desenvolvimento histórico deu lugar ao aparecimento de organismos distintos e de numerosas separações arbitrárias. Seria racional, em princípio, separar, de um lado, as funções e especializações documentárias e, por outro lado, examinar a possibilidade de vê-las exercidas por um organismo-tipo, único em cada país, em cada localidade, ainda que diversamente dividido.
3. Na realidade, a isso opõem-se obstáculos, pelo menos no que concerne às grandes instituições; porém, à vista das religiões, dos reagrupamentos de organismos ocorridos nestas últimas décadas, fica-se surpreendido com o movimento de concentração que se opera nos domínios científicos, como nos da economia e nos da política. A concepção centro-ramos-redes (centre-branches-réseaux) impõe-se por toda parte.
5. Parece que, para os organismos de menor desenvolvimento, a distinção, pelo menos entre Biblioteca e Centros de Documentação, tende a desaparecer. A Biblioteca, particularmente quando especializada, é chamada a assumir o papel dos Centros no que concerne à bibliografia, ao preparo e à análise dos documentos, e até mesmo à sua publicação. Os Centros de Documentação formam, em seu seio, coleções de livros que, por seu turno, constituem Bibliotecas.
6. De qualquer modo, em inúmeros países já se traçaram – e realizaram-se mesmo – planos inspirados numa ‘Política de Bibliotecas e de Documentação’. Esses planos tendem a instaurar um sistema geral e ao mesmo subordinar, com maior ou menor autonomia, os organismos documentários do país.
XII AS ASSOCIAÇÕES INTERNACIONAIS E A DOCUMENTAÇÃO
1. O fato de que a documentação é secundária em relação ao pensamento que ela exprime, o qual é primário, conduz, como consequência do melhoramento na apresentação e na publicação dos trabalhos científicos, à melhoria necessária de todas as operações documentais posteriores.
2. Nas condições atuais, a produção científica, particularmente a dos documentos, é livre, salvo exceções. Vela-se ciumentamente sobre essa situação que tantos esforços custou no correr do tempo; entretanto, no próprio regime de liberdade, assistimos à intervenção de Associações científicas, de academias e, nos níveis superiores, a das associações internacionais (Congressos, Federações, Institutos, Comissões).
3. Constantemente intervêm acordos nos planos de pesquisa e de trabalho. Paralelamente, são elaboradas recomendações, regras, códigos mesmo, que determinam os métodos comuns a seguir. Assim, os códigos ou regras dos Congressos Internacionais de Zoologia, Botânica, Paleontologia, Fisiologia, Fotografia, Imprensa periódica, Sociedades de Arqueologia.
4. É grande o interesse de ver elaborado ‘um código geral de documentação’, por intermédio de partes desses diversos códigos, comuns a todos os ramos, ou suscetíveis de se tornaram.
XIII A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL
1. Poucos domínios da Ciência têm visto concretizar-se maior número de organizações que a Documentação; não obstante, nela a organização está ainda em estado fragmentário e estágio elementar. O receio do ‘grandioso’ tem existido porque se podia duvidar dos fundamentos, ainda muito vacilantes, sobre os quais se deveria edificar, ou suspeitar que o funcionamento de um sistema geral pudesse constituir obstáculo ao aparecimento e expansão de excelentes obras de menor envergadura. Este receio é legítimo, legítima é, também, a aspiração no sentido de uma ordem mais elevada. Aos esforços progressivos e desinteressados, como os que empreende este Congresso, compete conciliar este antagonismo, dispor um plano geral e propô-lo à cooperação das boas vontades.
2. Considerada em toda a sua amplitude, a organização apresenta-se em seis graus, firmando-se sucessivamente sobre:
a) O próprio Documento (livro, revista, jornal, filme, disco, etc). Organização dos dados no interior de cada espécie de documento.
b) Os exemplares de documentos relacionados com a matéria a separar em coleções (Bibliotecas, Filmotecas, Discotecas).
c) Os organismos documentários que tenham por finalidade reunir um conjunto de coleções, de trabalhos e de serviços.
d) A ligação desses organismos entre si, por especialidade, por meio de intercâmbio e de cooperação, de trabalho e de divisão de tarefa; a constituição de Redes de Documentação locais, regionais, nacionais, prolongando-as em uma Rede Universal e mundial.
e) A correlação da documentação com as outras funções do trabalho intelectual (a pesquisa, o ensino, a cultura, as aplicações científicas e sociais.
f) A correlação do trabalho intelectual e da Documentação, que fazem parte, com a Organização Universal, das relações entre os povos (relações econômicas, sociais, políticas, culturais).
XIV A REDE DE DOCUMENTAÇÃO UNIVERSAL
1. O problema fundamental da documentação, no momento atual, é o estudo metódico das condições sob as quais pode ser concretizada a Rede Mundial de Documentação Universal. Este estudo deverá ser seguido de sua realização. Esta, na verdade, já foi iniciada e toda experiência que traga irá servindo ao aperfeiçoamento do estudo do próprio método.
2. Há três fases ou momentos a considerar:
a) De início surgem invenções, disposições particulares, isoladas, cada qual constituindo um progresso em si mesma, não tendo, porém, relaçães umas com as outras.
b) A seguir, passa-se à fase de cooperação, os elementos do método aproximam-se, são aplicados aos diversos domínios, em diversos lugares. Formam-se, assim, como que ilhotas de entendimento.
c) Segue-se a consciência de que, da falta de generalização suficiente o progresso é limitado, paralisado mesmo; que não se pode atingir os altos resultados entrevistos. Teoricamente, o espírito integra os elementos; ultrapassa os limites e constrói um método e um sistema geral.
3. Pode-se representar a organização teórica como um bloco cujos alvéolos se prestam a realizar a concentração dos esforços segundo três direções: vertical, horizontal e longitudinal. A cada uma dessas direções corresponderia uma das três bases: a) a matéria (sujeitos, ciências, técnicas das quais trata a documentação); b) a espécie de forma ou de operação documental sob a qual é tratada a matéria (composição, original, publicação, reprodução, edição, biblioteca, bibliografia, arquivos, enciclopédia, museografia); c) o lugar, a área local, regional nacional, internacional, continental ou mundial coberta pelo organismo que dirija a nova organização. Uma solução completa do problema conportaria aproximadamente 100 matérias, 9 formas de documentação, distinguidas sob os dois aspectos: o da produção e o da utilização; 60 países.
4. Poder-se-ia entrever um bloco, dividido, digamos, em 100 000 alvéolos (pontos ideológicos ou unidades de organização) se fosse processado de maneira completa e levando em conta todas as distinções. Tratar-se-ia, nesse momento, de proceder à tríplice organização:
a) Distribuir as funções inerentes à Documentação universal entre certo número de organismos (existentes ou a criar) e conseguir que assumam seus serviços e admitam seus colaboradores, com plena consciência de que o conjunto repousa sobre o bom funcionamento de cada parte.
b) Dar como base, ao conjunto, uma Convenção internacional determinando vantagens e prestações e fixando as disposições mínimas de um método comum.
c) Consequentemente, pôr em funcionamento a Rede Mundial de Documentação universal de tal maneira que cada membro possa ramificar-se, cooperar e utilizar, sejam quais forem sua especialidade, o local de sua residência, o caráter individual ou coletivo de sua própria organização.
5. Uma hierarquia de relação teria que se estabelecer entre os diversos centros da Rede e seus ramos, de maneira que essas ligações operem nos dois sentidos: dos centros gerais aos centros especializados e vice-versa. Um organismo central, federativo e cooperativo deveria presidir ao bom funcionamento do conjunto.
6. Por meio de uma organização baseada sobre tal esquema (cujas particularidades já foram estudadas) parece possível atingir o fim último que assim foi definido: Conservar incessantemente em movimento a extraordinária massa de dados documentais existentes, fazê-la circular no organismo intelectual como o sangue circula no sistema arterial do corpo e vai levar alimento, renovação e vida às últimas extremidades de seus ramos. Desenvolver e acrescer, incessantemente, o fluxo documental; fazer operar-se em seu seio, sem descontinuidade, uma purificação, uma simplificação, uma separação dos elementos úteis da ‘ganga’, do errôneo, do repetido.
7. Tudo no universo sugere os grandes movimentos cíclicos: no firmamento, as órbitas percorridas, ininterruptamente, pelos astros; sobre a terra os ciclos da litosfera, da hidrosfera, da atmosfera. Não seria necessário elevar-se à concepção de uma ‘Bibliosfera’ (a esfera do livro) ela mesma em movimento e inserida na ‘Noosfera’ (a esfera do espírito). Poder-se-ia determinar, assim, o ciclo:
a) na base estaria o Mundo ou a Realidade;
b) o Pensamento reconstrói o Mundo e a Palavra dá-lhe uma primeira expressão;
c) os Documentos vêm fixar o raciocínio ao mesmo tempo que lhe oferecerem um meio de desenvolvimento;
d) os Documentos atravessam os diversos meios: as escolas, para ajudar a formação das inteligências, os escritórios das empresas e das administrações, para ajudar a formação do plano de trabalho, das instruções, das ordens, prefiguração do que, mais adiante, na usina, na sociedade, deverá ser criado e posto à disposição de todos;
e) realizada, assim, essa transformação, todo o ciclo recomeçaria, indefinidamente, num movimento desenvolvido de espiral em espiral: novo pensamento, nova descrição, novo projetar. Tal concepção seria a da documentação a um só tempo universal, perpétua e dinâmica.
XV CONCLUSÃO
Nosso tempo testemunhou prodigiosas realizações; aqui, para destruir pela guerra, lá, para acumular riquezas em volume tão considerável que a crise pode bloquear todos os intercâmbios. Aproxima-se, porém, o tempo em que serão realizados outros prodígios, desta vez, para distribuir, entre todos, os bens criados e para elevar-se, além disso, da matéria ao espírito.
Cabe à Documentação para tal contribuir; a seus Congressos compete orientá-la para esse fim.
Os progressos podem ser espontâneos, isolados ou devidos à cooperação bilateral. Podem, também, ser dirigidos, generalizados, devidos a uma colaboração mundial. Seja como for, uma coisa parece certa: os Livros, os Documentos, conseguiram tornar efetiva entre os Homens uma espécie de pensamento coletivo do qual constituem o corpo material, o suporte e o meio.
Razão pela qual o termo Documentação está, hoje em dia, indissoluvelmente ligado à cadeia destes seis termos: Ciência, Técnica, Cultura, Educação, Organização social, Civilização universal [1]
(*) Nota do editor: O pensamento de Paul Otlet foi trazido ao Brasil no início do século pelo então Diretor da Biblioteca Nacional Cícero Peregrino da Silva e influenciou a criação do Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação, atual IBICT. Sua leitura é oportuna, pois antevê o impacto das então recentes tecnologias de comunicação na atividade informacional. Consulte, também, a página do Professor Buckland , que ‘descobriu’ Paul Otlet por ocasião do centenário da FID. [1] Como subsídio, reportamo-nos aos trabalhos e publicações do Instituto Internacional de Bibliografia e Documentação, às do Congresso Internacional de Bibliotecários e de Arquivistas; ao Congresso Mundial das Associações Internacionais, ao nosso ‘Traité de Documentation’ e ao relatório que apresentamos ao Instituto Internacional de Cooperação Intelectual sobre a Organização Mundial da Documentação.