Jesse H. Shera *
A Falácia da Lógica Clássica
“Matriz fértil de falácias” foi o veredito severo que Alfred North Whitehead escreveu sobre as páginas da lógica aristotélica, e, embora a defendesse como ‘guardiania da matemática’, censurou sua restrição a aquelas formas proposicionais como se pudessem ser adaptadas apenas à expressão de abstrações. A lógica de Aristóteles, de onde se derivaram seus princípios de classificação, foi estabelecida sobre a forma mais simples de sentença verbal, na qual o sujeito é uma entidade particular e o predicado uma abstração característica daquela entidade. Assim, a declaração ‘esta água é quente’ atribui a abstração ‘quente’ a uma massa particular de água num receptáculo particular. Mas muitas coisas diferentes podem estar quentes e pode-se conceber a abstração ‘quentura’ sem referência a qualquer coisa em particular. No mundo da realidade física a qualidade de ‘ser quente’ pode ser atribuída apenas àquelas coisas concretas que são quentes. Na mente do homem, no entanto, a propriedade de alta temperatura pode ser um atributo de qualquer coisa que ele escolha. O inferno é quente porque foi invenção de homens que vivem em clima temperado para quem os extremos de temperatura do corpo são um desconforto físico.
Assim, ainda seguindo Aristóteles, um relato completo de uma coisa real, particular, no mundo físico é expresso em termos de um conjunto de características abstratas que estão reunidas num todo individualizado, e esta soma individualizada da totalidade de características abstratas se torna a coisa real em questão. Água quente é mais do que uma substância caracterizada por uma temperatura elevada, e o Inferno é mais do que uma região quente.
A partir deste conceito de realidade, fundamentado na totalidade de atributos, derivou-se a ciência da classificação de Aristóteles em gêneros, espécies e sub-espécies, a ciência da classificação mutuamente exclusiva, sugerida, talvez, pela ciência de ‘Divisão’ de Platão. Destes princípios surgiu a ciência, cuja ênfase, durante muitos séculos, recaía sobre a observação de determinadas ocorrências e sobre a generalização indutiva que resultou em classificações gerais de fenômenos físicos de acordo com seus atributos e modos de funcionamento; em outras palavras, de acordo com as ‘leis da natureza’ que exemplificavam.
Estas doutrinas aristotélicas de Predicação e Substância Primária, que levam aos conceitos da conjunção de atributos e disjunção de susbtâncias primárias, são claras, compactas e lindamente simples, mas falham ao não levar em conta a interconectividade das coisas reais. Cada coisa substancial no universo não pode ser considerada como completa em si mesmo sem referência a qualquer outra coisa substancial. O universo não pode ser fragmentado assim numa multidão de substâncias desconectadas e, embora cada substância exemplifique a seu modo seu conjunto particular de caracteres abstratos que foram reunidos num núcleo comum do individualidade substancial, a lógica de Aristóteles deixa incompreensível o mundo interconectado de indivíduos reais. Contudo, é sobre este mesmo ‘classificado’ de substância e atributo que se erigiu toda a classificação taxonômica e, por muitos séculos, amarrou o classificador à base rígida da hierarquia.
A classificação bibliotecária se tornou inevitavelmente vítima das falácias da lógica aristotélica. Pelo menos desde os dias do esquematismo dos livreiros de Paria, se não por muitos anos antes, a classificação para bibliotecas jorrou nos moldes do conceito aristotélico de gêneros e espécies, e quando a isto se acrescentou o princípio de Comte da filiação das ciências a classificação bibliotecária foi de fato pregada na cruz. A revolução produzida em nossa compreensão da natureza da matéria e uma reorientação resultante da conceituação científica e do pensamento, produzida grandemente pela obra dos físicos, refletiu-se numa revolução menos espetacular mas não menos real em nossa compreensão a respeito dos registros gráficos como corporificação física dos produtos da mente e o papel destes registros no avanço do conhecimento humano.
O propósito deste ensaio, então, é não apenas tentar interpretar de modo geral o novo papel da classificação na recuperação da informação, mas sugerir, também a importância de uma melhor compreensão das operações do cérebro humano na formação do conceito para uma organização mais eficaz dos registros gráficos. Os dois, isto é, o papel da classificação e a compreensão da conceituação, são inseparáveis, pois a classificação é hoje, não como Aristóteles a imaginou, uma disciplina para o treinamento do intelecto humano, mas o próprio padrão operacional da mente.
Por trás do ato aparentemente simples de selecionar um livro numa estante de biblioteca está um intrincado padrão de processos mentais que até agora compreendemos apenas imperfeitamente, mas à medida que melhoramos nossa capacidade de projetar mecanismos eletrônicos que se aproximam enormemente das capacidades do cérebro humano, não apenas aumentamos nossa compreensão do próprio cérebro, mas também podemos antecipar a fabricação de mecanismos que vão suplementar o cérebro no armazenamento e recuperação de informação. Estamos interessados, então, nem tanto na classificação de livros nas estantes das bibliotecas, mas na classificação como estrutura do pensamento. Assim, voltamos a Aristóteles.
Whitehead estava certo em condenar a lógica aristotélica. Provavelmente a ciência nunca vai poder se divorciar de questões de – quanto? – em que proporções? – em que padrão de organização ou relacionamentos com outras coisas? Poder-se-ia ir mais longe dizendo que nem haja uma questão que o homem possa colocar ao mundo ao seu redor que não seja limitada ou qualificada por restrições de quantidade, grau ou padrão de circunstâncias. A própria Matemática lida com a investigação de padrões de interconectividade, nas abstrações de relacionamentos particulares, e nos modos particulares de conexão. Em seu interesse pela conectividade essencial das coisas, a Matemática é a fibra da classificação e lhe dá significado. A antiga busca, por parte do classificador, dos universais, da permanência do relacionamento, das ‘essências’, é invalidada pelo que Whitehead chama ‘a completa relatividade que infecta o universo e que faz a totalidade das coisas como se fosse um receptáculo unindo tudo o que acontece’. [1]
Whitehead buscava uma ‘classificação referencial’ que seria para as ciências da ordem o que a geometria projetiva não-métrica é para aqueles ramos da ciência dependentes de medição e número. As certezas da ciência, disse ele, são um engodo e uma ilusão. Elas estão cercadas de limitações inexploradas. O manejo/tratamento das doutrinas científicas é controlado pelos conceitos metafísicos da época em que foram produzidos. Qualquer conceito ou entidade é uma modificação de seu ambiente e não pode ser compreendido fora dele. Nenhuma ciência pode ser mais segura do que a metafísica que ela tacitamente pressupõe.
A ciência, portanto, é um conhecimento coordenado formado pela conjunção de duas ordens de experiência: uma é a discriminação direta, imediata da observação, a outra deriva das concepções do homem, do universo. A primeira, a ordem observante é interpretada invariavelmente em termos da segunda, ou ordem conceitual. A Filosofia, ou a Filosofia da Ciência, lida com a coordenação destes dois padrões e a classificação é seu modo de expressão, como a Matemática é a linguagem da ciência. Muito apropriadamente Whitehead fez a analogia entre a classificação referencial e a geometria projetiva, pois a classificação deve ter uma base matemática, bem como deve ter uma estrutura semântica. Mas Sir Francis Bacon estava certo, também, em seu modo desajeitado de derivar a ordem das três faculdades da mente humana. Certamente, foi uma compreensão inadequada da operação do cérebro humano que levou o grande Sir Francis a crer que o cérebro tinha apenas três faculdades: memória, razão e imaginação; e que estas operam de modo independente sobre as percepções sensoriais. Mas ele prestou um tremendo serviço ao elevar a classificação do reino dos relacionamentos lógicos dando-lhe uma orientação psicológica. Ele reconheceu que o conhecimento é estruturado conceitualmente em padrões determinados por nossos processos mentais. Mas não se deu conta, de fato não poderia ter compreendido completamente a interconectividade das várias funções do cérebro e seu significado para a interconectividade dos conceitos, eventos, fenômenos e fatos. Embora percebesse o relacionamento entre padrões de pensamento e padrões de classificação, ele super-simplificou a configuração destes padrões.
A Prevalência do Padrão
‘Ordem é a primeira lei do Céu’, escreveu Pope e poderia ter acrescentado que o padrão é a matéria de que ela é feita. Padrão pode ser definido como qualquer sequência de arranjo de eventos no tempo ou qualquer conjunto de fenômenos no espaço organizado de modo a ser distinguível de, ou comparável a, qualquer outra sequência, arranjo, ou conjunto. Do ponto de vista da operação da mente, o atributo mais significativo do padrão é seu caráter mnemônico. É isto que o distingue do acaso. Não se pode lembrar do caos.
Todos os processos mentais são, é claro, derivados em último caso da percepção sensorial. Derivados dos sentidos da visão, audição, paladar, tato, olfato (os psicólogos e os fisiologistas identificaram agora, creio eu, mais de vinte sentidos), a mente seria um vazio. A percepção sensorial, por sua vez, é condicionada por quatro fatores: a sensitividade do organismo; o caráter ou a qualidade do estímulo; o grau de impacto de experiência passada; e o conjunto, ou finalidade, do recipiente. Isto difere, certamente, de indivíduo para indivíduo e de situação para situação, e a padronização tem um papel em alguma parte de todos estes elementos do processo de percepção, mas é no terceiro, a influência de experiência passada, que este papel é mais importante. Do impacto caótico da sensação o homem formula padrões de familiaridade, padrões de experiência, com os quais novas sensações podem ser comparadas e relacionadas. Um rosto, uma série de sons (uma sinfonia, por exemplo), uma sensação de gosto são familiares ou não dependendo do grau em que se conformam ou deixam de se conformar a padrões criados pela experiência passada. Cada cego explorando o elefante interpretava a parte sob seu escrutínio/exame em termos de seu próprio padrão particular de familiaridade. Cada nova experiência, então, cada nova sensação é fragmentada num padrão de relacionamento, e através da integração com os padrões da experiência passada chega eventualmente a um todo organizado. Assim, pode-se dizer que a experiência se constitui em padrões classificados de percepção sensorial passada. A facilidade com a qual novas percepções podem ser organizadas, classificadas e assimiladas com a experiência passada determina, em grande medida, a facilidade com a qual aprendemos. Quando alguém diz que um texto particular é de ‘leitura difícil’, está dizendo, com efeito, que é preciso um esforço considerável para trazer o conteúdo do pensamento do texto em conformidade com os padrões da experiência passada. Se ele não pode então classificar estas novas ideias, estes pensamentos e sensações, então ele precisa admitir que o texto é incompreensível para ele.
O padrão de organização, a classificação da experiência, diferem de indivíduo para indivíduo; admitindo-se, é claro, que há certos padrões básicos, classificações, que são familiares a todos. Assim, por exemplo, pode-se explicar muito da obscuridade da poesia de Robert Browning. As palavras são bastante familiares mas o padrão que elas apresentam (sua associação) é tão próprio de Browning que um leitor poderia dizer de ‘Sordello’, que não tem idéia se o assunto do poema era ‘um homem, uma cidade ou um livro’, e outro o compararia a um grande ‘arranha-céu sem escadas’. Mas, para Browning, a menos que estivesse escrevendo um palavreado estranho, e confesso que às vezes penso que é isso, as escadas estavam ali.
No entanto, saber, aperceber, ter consciência, são também funções do modo como o sistema nervoso humano, particularmente o cérebro humano se estrutura. Não foi coincidência que levou Sir Charles Sherrington, especialista em olho humano, a chamar o cérebro do homem ‘o tear encantado’, pois o cérebro é um fabricante de padrões , e onde existe um padrão existe significação e sentido. O homem é, então, um animal fazedor-de-padrão, ele detesta o caos como se alega que a natureza detesta o vácuo/vazio. Ele encontra felicidade, conforto, segurança quando reconhece padrões familiares e, a menos que seja particularmente intrépido e inquisitivo, retira-se /afasta-se dos padrões que lhe são não-familiares, chocantes ou aparentemente hostis. Falando num sentido muito geral, poder-se-ia dizer que as ciências têm suas origens, e daí derivam, na busca de padrões, a arte de fazer-padrões. Os padrões estelares dos céus, o padrão da noite e dia, deram ao homem suas primeiras sugestões da ciência da Astronomia. A Geometria surgiu aparentemente da necessidade da restauração sazonal no Vale do Nilo do padrão de produtividade. A percepção de Sir Isaac Newton de padrão nas relações mútuas dos corpos físicos estabeleceu as bases para um conjunto inteiro das ciências físicas. A Botânica se apoia no padrão de relações vegetais transformadas por Linneu numa classificação taxonômica. Os biólogos estão tentando ainda completar o padrão, ou classificação, das espécies que Darwin encontrou no mundo animal. Mendel descobriu o padrão da hereditariedade e estabeleceu os fundamentos da ciência genética. A enumeração dos padrões de forças elétricas, de Clark Maxwell, tornou possível a moderna ciência da eletrônica; e a Química, talvez mais do que qualquer outra ciência, é dependente de estrutura, padrão, classificação.
Sem alguma estrutura de relacionamento, ou seja, sem alguma espécie de classificação, a construção de padrão e a percepção de padrão, seriam impossíveis de serem comunicáveis, para dizer o mínimo. Nos primórdios de cada uma destas ciências havia apenas fragmentos de informação – pedaços fracionados separados, frequentemente, por grandes áreas de desconhecido. A invenção árabe da álgebra tornou possível padrões em que as peças visíveis e invisíveis, o conhecido e o desconhecido, podiam ser manipulados, reunidos, equacionados, avaliados e diferentemente trabalhados de acordo com certas regras da lógica.
A operação do cérebro pode ser assemelhada à solução de equações simultâneas. Esta analogia implica que tantas observações quantas sejam possíveis podem ser feitas de uma única vez sobre qualquer estímulo sensorial, e estes podem ser comparados uns com os outros. Sempre que a situação permite, uma simples variável conhecida deve ser usada para modificar, ou se relacionar com, variados desconhecidos complexos, de modo que tendências, interdependências e relacionamentos possam ser avaliados. É verdade que certas partes do cérebro parecem ter uma função regular e reconhecível e respondem de uma maneira bastante previsível quando estimuladas. O dano em certas áreas do cérebro produz sintomas de diagnósticos bem conhecidos. Mas as exceções a tudo isto são tão numerosas e as evidências experimentais são tão tênues, que existe agora uma tendência geral de assumir uma visão completamente ‘holística’ da função cerebral, e de supor que todas as partes do cérebro podem se envolver com qualquer sentido ou em qualquer ação e que a localização das funções é mais uma questão de probabilidade do que de um lugar preciso. Isto, com certeza, não nega a capacidade de padronizar da operação cerebral, pois deve haver padrão ali, mas derruba a velha analogia que comparava o cérebro e sua rede de comunicação a uma ligação telefônica. Num sistema de telefonia o sentido absoluto de uma mensagem depende do emissor. Num sistema sensorial o sentido depende do receptor. Em outras palavras, é a resposta – da capacidade de padronizar do cérebro – à sensação, que dá realidade a nosso ambiente. Assim a rede do corpo, especialmente a do sistema nervoso, se interliga com as redes da vida a nosso redor, particularmente com a rede da estrutura social.
A Realidade dos Conceitos
Conceitos são a matéria de que o padronizar, isto é, a classificação, é feita. Mesmo que fosse desejável, não podemos, dentro dos limites do presente trabalho, nos envolver na controvérsia filosófica sobre a natureza de conceitos como universais, se um universal é algo que reside nos objetos e pode ser conhecido diretamente (essências), ou se é algo imposto sobre as regularidades na natureza por uma mente conceitualizadora. Embora nós mesmos nos inclinemos pelo último ponto, tal controvérsia pode ser relativamente infrutífera. Para propósitos imediatos, podemos aceitar a definição de J. S. Bruner, que um conceito é ‘uma rede de inferências signo-significado pelas quais vai-se além de um conjunto de propriedades criteriosas observadas exibidas por um objeto ou evento até a identidade da classe do objeto ou evento em questão, e daí para inferências adicionais acerca de outras propriedades não observadas do objeto ou evento. [2] Em suma, um conceito é uma rede de padrões de inferências, associações e relacionamentos que são predicados ou de outro modo postos em jogo através do ato de categorização. Dentro do quadro de uma teoria do pensar, conceitos e o processo de formação de conceitos aparecem não como entidades independentes mas como aspectos do processo de pensamento. Formação de conceito, então, não é uma função separada e independente da mente que opera autonomamente e é governada por suas próprias regras nos níveis mais elevados da integração do pensamento. Está intimamente ligada com a organização da memória, com a antecipação, cognição e outros processos e funções mentais.
Como salienta Rapaport, a questão fundamental que a formação de conceito responde é: Com o que uma ideia se conecta? A resposta é que tudo se conecta com tudo que partilha um atributo dele, onde atributo é conceituado por Rapaport como ‘participação’. A memória, então, fornece um quadro de referência no qual o padrão de relacionamentos criado pela formação de conceito se cristaliza. A experiência, então, é assimilada como uma multiplicidade de sistemas de conceitos expressos em termos de cada percepção de sentido e cada qualidade abstrata existente previamente, mas especialmente em termos de tempo, espaço, matéria, energia, peso, cor, relacionamento, propriedade, etc. [3]
A conceituação, a formação de conceitos de classe, começou indubitavelmente com o mundo físico imediato e com a ordenação dos objetos nele, e pode ter-se movido na direção da tendência primitiva do homem de atribuir animismo ao inanimado. A emergência do conceito abstrato é mais difícil de entender. Do ponto de vista da função cerebral a conceituação envolve, como indica W. G. Walter, ‘as ações obscuras das regiões do cérebro que menos se submetem a uma investigação experimental, as áreas de associação, às vezes chamadas “silenciosas” porque seus oráculos são mudos quando ameaçados pelo intruso experimental’. [4] Estudos, como o de T. B. L. Webster, da linguagem como instrumento de comunicação do pensamento, e as mudanças que a linguagem revela no crescimento e amadurecimento da conceituação, podem fornecer pistas importantes com respeito à emergência do pensamento filosófico e da investigação científica das primeiras percepções do homem primitivo acerca de seu ambiente. A transição do primitivo para o moderno precisou da criação de novas espécies de palavras, novas formas de sentenças e novas espécies de argumentos para expressar estes novos conceitos. Tal progresso não teria sido possível sem constante cooperação entre matemáticos, cientistas, artistas e poetas. [5]]
Rapaport assegura que o raciocínio não se move indutivamente das partes para o todo, ou dedutivamente do todo para suas partes, mas, antes, de parte para parte, assumindo que cada passo será válido para o todo. Este processo ele conceitua como ‘transdução’. [6] ‘Pesquisa de ciência e senso comum igualmente’ diz Bruner, ‘não descobrem os modos em que os eventos são agrupados no mundo, eles inventam os modos de agrupamento.’ Existe quase uma infinidade de modos de agrupamento de eventos em termos de propriedades discrimináveis e o homem serve-se de apenas alguns deles. [7] .É difícil para as pessoas criadas na tradição da classificação taxonômica olhar conceitos ou entidades agrupadas em classes de equivalência que nada mais são do que produtos da natureza ou da lei natural. S. S. Stevens resume o nominalismo contemporâneo dizendo, ‘Inventamos sistemas lógicos, como lógica e matemática, cujos termos são usados para denotar aspectos discrimináveis da natureza e com estes sistemas formulamos descrições do mundo como o vemos e de acordo com nossa conveniência. Trabalhamos deste modo porque não há outro modo de trabalharmos.’[8]8
Assim, no ato de classificação científica ou sistematização, objetos, fenômenos, experiências ou conceitos estão pragmaticamente relacionados a classes (categorizados), e as classes estão pragmaticamente relacionadas umas com as outras por meio de certas ‘pistas’ ou padrões de atributos. O processo mental envolvido é o de inferência, e daí o ato de classificação ser pensamento inferencial. Os cegos que inferiram os contornos do elefante a partir do exame manual de uma parte estavam sendo tão ‘científicos’ quanto permitiam as limitações da experiência e do ambiente. Se a identidade de um objeto ou evento, ou fenômeno derivam da categorização, surge então o problema de determinar a validade da categorização e parece haver quatro procedimentos gerais para determinar isto.
O primeiro e, talvez, o mais simples, é pelo recurso a um critério final. Este procedimento é válido até o ponto em que as propriedades definitórias não são mascaradas, mas há muitas categorias para as quais é difícil especificar o critério final contra o qual verificar a dequação dos atributos definitórios. O segundo, verificação/teste pela consistência, talvez seja melhor ilustrado pela moderna taxonomia, mas aqui a validação depende se as propriedades de espécies agrupados são consistentes ou não com o quadro de referência conceitual. O terceiro, verificação/teste por consenso, depende para sua validade da escala de valores da cultura em que se apoia. Pressupõe aceitação sem indicar qual a autoridade. A verificação/o teste final, o de congruência afetiva é uma forma especial de verificação por consistência e envolve o ato de categorizar baseado na certeza subjetiva ou mesmo na necessidade. É apoiado/sustentado por um sentido de convicção.
Todos estes testes/verificações parecem implicar na relatividade da classificação, sugerir que as classificações são inventadas, não descobertas, rejeitar a crença numa ‘ordem fundamental da natureza’. Classificação é a cristalização ou formalização do pensamento inferencial, nascido da percepção sensorial, condicionada pela operação do cérebro humano, e moldado/conformado pela experiência humana. Subjaz na base de todo pensamento, mas é pragmático e instrumental. É ao mesmo tempo permanente e efêmero. Permanente, porque sem ele a cognição é impossível; efêmero, porque pode ser rejeitado quando sua utilidade se exaure.
Classificação e Registros do Conhecimento
O fato óbvio do pensamento do homem ser registrado em forma gráfica, e, em grande medida, os registros gráficos refletirem o mesmo padrão de pensamento complexo como seus processos mentais, levou à presunção injustificada que a classificação do conhecimento seja, portanto, aplicável aos livros. Este paralelismo foi válido enquanto o volume de literatura registrada era pequeno e a quantidade de publicação consistia em tratados sistemáticos que davam interpretação de um campo como um todo, ou enquanto os estudos monográficos abrangiam a totalidade de um sub-tópico que era ele mesmo parte integral de uma unidade maior. Esquematismos como os de Gesner e Bacon serviram quase idealmente para a organização de enciclopédias enquanto a enciclopédia permanecia como apresentação sinótica do estado do conhecimento humano. Quando as enciclopédias começaram a ser usadas como obras de referência, o arranjo classificado se tornou inadequado e estranho e foi eventualmente deslocado para a forma de dicionário. Esta transição foi em parte resultado do enorme crescimento do conhecimento humano, a ponto de não mais ser praticável ler uma enciclopédia de capa a capa, e em parte resultado da crescente complexidade e especialização daquele conhecimento que tornou impróprio para muitos usos um sistema universal de classificação.
A transição que ocorreu no uso da enciclopédia refletiu-se nas próprias bibliotecas. Numa época em que os livros eram em grande parte monográficos e sinóticos, as bibliotecas podiam ser comparadas a enciclopédias ampliadas por mil. Mas a proliferação do periódico prenunciou a morte eventual da classificação bibliotecária e o crescente predomínio do tratado especializado ampliou de tal forma suas limitações, que ela é, hoje em dia, desacreditada por muitos como sendo de fato ‘um absurdo lógico’. A falha, com certeza, não está no ato da classificação como processo mental, mas em sua má aplicação. À Classificação se pediu que fizesse o que não poderia fazer porque pessoas desorientadas assumiram: primeiro, que há um padrão universal de todo o conhecimento que será todas as coisas para todos os leitores, e segundo, que o padrão do pensamento contido nos livros se aproximava dos processos de pensamento de seus usuários. Na realidade, um livro só pode refletir os padrões de pensamento do autor e estes podem estar sujeitos a uma variedade quase infinita de interpretações e manipulações mentais por seus leitores. Com efeito, aquele que classifica um livro no sentido da biblioteca tradicional está dizendo ‘Sei o que o autor tinha em mente. Sei do que trata este livro. Sei que ele é como estes livros mas diferente daqueles outros. Portanto, vou atribuir este símbolo de classificação e colocá-lo neste lugar na estante, porque sei que os leitores deste livro vão usá-lo em associação com estes mas não em associação com aqueles.’ Temos apenas que declarar que estas suposições revelam sua nulidade. Muitas vezes não se pode ser dogmático a respeito do sentido de um autor, não se pode supor categoricamente como um livro vai ser usado ou por quem. Não se pode supor saber com que outros livros o usuário vai associar este título em particular. Mas talvez a maioria das suposições de todas seja a implicação que o catalogador pode, no processo de classificação, extrair a ‘essência’ do livro, pois até mesmo o mais simples livro é uma coisa multi-facetada, um construto, um padrão de infinitos relacionamentos.
A ênfase no padrão é deliberada e fundamental, pois o bem sucedido uso dos registros gráficos implica reconciliação de três padrões: o conteúdo de pensamento do texto, a estrutura da literatura e o padrão do recurso. Os primeiros dois são relativamente estáveis visto que para um único documento ou para uma coleção de documentos eles permanecem fixos todo o tempo. Mas esta estabilidade é apenas relativa pois o tempo traz novos documentos com novo conteúdo de pensamento e novas configurações estruturais. Mas o padrão do recurso para a literatura é uma variável que muda constantemente, difere de indivíduo para indivíduo e de tipo de uso para tipo de uso. No entanto, demandamos da classificação que harmonize estes três padrões e ficamos surpresos e desapontados quando obtemos apenas disjunção e caos.
Cada gráfico, registro, seja o mais confuso dos relatórios científicos, uma coletânea de ensaios, um romance, um poema, um abecedário infantil, é uma constelação de conteúdo de assunto, de métodos ou técnicas de apresentação, e de resultado final. Pode estar visível em cima de uma mesa ou enterrado naquele labirinto de estantes que é a Library of Congress, ou pode ser apenas uma entrada numa bibliografia. Mas, o que quer que esteja nele, e onde quer que esteja, sua utilidade é uma variável que muda com o ‘contexto’ de cada uso. A otimização eficaz desta utilidade é a tarefa do documentalista ou bibliotecário, isto é o que realmente se entende por ‘recuperação’.
Mas sobre este padrão em mudança constante de uso o bibliotecário forçou os rígidos gênero, espécie e sub-espécie de Aristóteles e racionalizou o procedimento em termos de uso médio por um presumido leitor médio. A esta limitação da rigidez foi acrescentada outra limitação de mono-dimensionamento – a compressão de um padrão hierárquico numa sequência linear. Muitas técnicas engenhosas foram desenvolvidas na tentativa de compensar esta contradição inerente, da qual talvez a primeira foi o uso de símbolos de associação na CDU. Mas apesar de toda habilidade com que isto foi feito, o resultado foi talvez o aumento de complexidade e confusão a ponto de se tornar auto-derrotada.
Mal se pode condenar o bibliotecário pelos enganos destes procedimentos, pois a lógica subjacente parecia bastante defensável. Livros e documentos são registros do conhecimento humano. Durante séculos o homem categorizou este conhecimento numa hierarquia taxonômica que associa semelhanças, ou coisas semelhantes e separa coisas não-semelhantes. Portanto, se isto pôde ser feito para o conhecimento, também poderia ser feito para a representação física daquele conhecimento, isto é, para os livros. Depois, seguiu-se logicamente qu, se os homens abordavam o conhecimento por meio de um padrão taxonômico, abordariam os livros do mesmo modo. O engano, com certeza, está no fato que uma estrutura hierárquica é apenas um padrão de pensamento num universo de infinitos padrões, e a ‘semelhança’ de um, pode bem ser a ‘diferença’ do outro, e o que é uma associação lógica ou racional para um pode bem ser irracional e ilógico para outro. Além disso, os autores não escrevem livros com o objetivo de oferecer arrendatários para compartimentos pequenos e limpos numa estrutura divinamente inspirada de conhecimento universal.
À medida que as coleções de biblioteca crescem em magnitude e complexidade, que surgem entre as disciplinas relacionamentos não-antecipados, e que novas disciplinas evoluíram, a estrutura da tradicional classificação bibliotecária começou a se fragmentar/esfarelar não apenas na própria estrutura, mas a própria ideia de estrutura foi condenada.
A Revolta contra a Classificação
A desilusão com a chamada classificação ‘modelo’ levou muitas pessoas a uma alegada rejeição da classificação como técnica válida para recuperação de informação. Houve aqueles que pensavam que a classificação, como a pobreza, deveria ser abolida. Isto é, sem dúvida, um absurdo, mas não impediu que o intrépido voltasse as costas às noções tradicionais da classificação escolhendo a indexação por palavras como a melhor solução para o problema da recuperação da informação. O argumento era ingenuamente simples; cada documento mostra sua própria terminologia e esta terminologia é, com certeza, a incorporação simbólica do conteúdo da obra. Portanto, o único procedimento confiável é seguir a terminologia do autor sem examinar a terminologia quanto à exatidão, validade ou estabilidade; a simples presença é suficiente. A mera coordenação dos termos ‘pongue’ com ‘bolas’ e ‘pingue’ revela o assunto correlacionado ‘bolas de pinque-pongue’ é simples assim, embora o que se vai fazer com a ‘Diet of Worms’[**] não fique claro.
Certamente, há muitas coisas erradas com tal procedimento, não sendo o menor de todos que ele ignora a falta de normalização e a instabilidade da terminologia. Também se poderia salientar que isso não rejeita de verdade a classificação. O próprio ato de coordenação é um aspecto da padronização e depende, embora um tanto mecanicamente, da categorização. Contudo, tal processo, absurdas como são algumas de suas manifestações, focaliza atenção nos conceitos e na conceituação como sendo fundamental para a organização bibliográfica e de modo um tanto curioso re-enfatiza o papel da classe e do conceito na análise da informação registrada. Diz, com efeito, que, quando se lida não com o livro em sua totalidade, mas com suas partes, seus elementos constituintes, deve-se interpretar o conteúdo do livro em termos de unidades de pensamento e de sua categorização.
Os sistemas mais recentes de recuperação se dirigem todos, ou se baseiam consciente ou inconscientemente, para uma estruturação padronizada. A análise de faceta, a fatoração semântica, os indicadores de função, os dicionários de códigos, tentam todos reconciliar o padrão de conteúdo do pensamento com o padrão do recurso aos registros gráficos.
No conhecimento registrado não há relacionamento exato de identidade de classe entre documentos como unidades – cada título é único – embora possa haver o que Bruner chama equivalência de relacionamento. Por exemplo, duas histórias da Inglaterra podem apresentar essencialmente os mesmos fatos com interpretações quase similares. Para a simples ordenação de livros nas estantes este relacionamento de equivalência fornece uma base adequada, mas também implica que tal arranjo terá pouca utilidade a não ser para as finalidades mais superficiais. Enquanto o conteúdo de assunto estiver preso ao documento como entidade física, a classificação na estante pode oferecer pouco mais do que uma reflexão distorcida dos padrões do conhecimento registrado. O acesso adequado ao assunto dos registros gráficos deve então ser obtido com o custo de divorciar o documento do pensamento que ele aprisiona. Então, conceitos e a formação do conceito, e não os próprios livros, são a matéria da classificação bibliotecária. São estas unidades de pensamento e os relacionamentos padronizados entre eles, como se apresentam nas páginas dos documentos e na mente do usuário, é que são o interesse principal do bibliotecário e que obriga sua reavaliação do papel da classificação.
Dificilmente se pode dizer que a conceituação existe fora da linguagem, pois a mente deve se comunicar consigo mesmo embora não se comunique com outras mentes. Portanto, linguística, terminologia, semântica, são fundamentais para a classificação. A própria importância da terminologia levou muitos a rejeitar a classificação como um instrumento para a recuperação da informação e a colocar sua fé na manipulação verbal, como Unitermos e técnicas semelhantes. Mas, como se indicou acima, a terminologia carece tanto de normalização, é tão cheia de redundância, ambiguidade e omissão, que não só foi desacreditada como ferramenta válida de para recuperação de informação mas também obscureceu muitas vezes o próprio padrão subjacente que supostamente deveria esclarecer.
No entanto, mesmo nas ciências, os conceitos básicos se mantêm estáveis durante um período relativamente longo, embora a terminologia não seja normalizada e assim o relacionamento de identidade seja possível ao classificar conceitos. O conceito de ‘força’ na Física, ou de ‘valor’ na Economia carrega o mesmo sentido em qualquer contexto em sua respectiva área, e assim a representação precisa de cada conceito se torna possível sem ambiguidade. A área de assunto na qual o sentido preciso de um conceito seja definido e tenha seu simbolismo estabelecido apresenta um padrão mais aproximado da estrutura molecular do que os níveis de uma hierarquia. Os conceitos de ‘demanda’ e ‘preço’, por exemplo, são elementos da compreensão dos economistas ou da definição de ‘valor’, mas não são aspectos subordinados de ‘valor’ como o sentido de ‘economia agrícola’ e ‘economia do trabalho’ são aspectos da totalidade da Economia.
Como Bernier e Heumann, do Chemical Abstracts salientaram
‘Para uma dada ciência, uma coleção completa de relacionamentos de semantemas mostrará que todos os semantemas na coleção se relacionam, embora alguns de forma distante…Um vocabulário de semantemas e seus relacionamentos pode ser configurado como uma bola grande, muito irregular constituída de camadas com o termo mais abstrato próximo ao centro. Este termo poderia ser a palavra ‘coisa’. As linhas podem ser desenhadas como prendendo este semantema central a outros semantemas por um relacionamento de primeira ordem. Os termos mais próximos da superfície da bola seriam geralmente menos abstratos do que aqueles mais próximos do centro. A maioria dos semantemas na superfície da bola seriam termos da maior especificidade num dado tempo. A maioria seria de nomes de coisas que poderiam ser adquiridas, sentidas, vistas, ouvidas, provadas, determinadas, medidas, etc. As linhas de relacionamento prendendo os semantemas na bola seriam completas (num dado tempo) e formariam uma rede muito complexa, porém única e permanente. Se um semantema fosse removido de qualquer lugar na bola, as linhas de relacionamento se quebrariam. Os semantemas que estivessem presos a estas linhas quebradas manteriam um relacionamento de primeira ordem com o semantema removido. … Se todas as palavras da superfície fossem removidas da bola do vocabulário permaneceriam fiapos de linhas de relacionamento e uma nova camada de termos mais abstratos. Os termos constituintes da nova superfície seriam geralmente os nomes de coisas que não poderiam ser obtidas, sentidas, vistas, ouvidas, provadas, etc. Seriam oa termos mais gerais, classes de termos – geralmente representando coisas intangíveis que só poderiam ser imaginadas.’ [9]
Foi esta complexidade de relacionamentos padronizados que desacreditou os sistemas de classificação bibliotecária como instrumento eficaz para a análise específica/aprofundada/intensiva do conhecimento registrado, e lançou dúvidas na utilidade da própria classificação.
As fronteiras de expansão do conhecimento humano
trouxeram com elas não apenas uma complexidade crescente nos padrões de
conhecimento, mas também alterações significativas na estrutura do
conhecimento registrado e mudanças notáveis nas demandas feitas a ele. A
seguir daí, surgiu a necessidade de métodos mais refinados de acesso ao
conhecimento registrado a despeito de sua forma ou tipo. Seria
impraticável aqui catalogar todos os tipos identificáveis, mas a breve
lista a seguir é suficiente para exemplificar o problema que apresentam
na análise de assunto:
1. teoria, geral e específica;
2. método;
3. dados ou provas, isto é, a ‘matéria prima’ sob qualquer forma;
4. política e implementação.
Apesar da falta de precisão com que surgem, é óbvio que não pode haver qualquer sistema universal eficaz para organização de todos eles. Cada um apresenta seu próprio padrão de organização e sua característica única de uso. Para cada um, o valor do conteúdo, a intensidade da análise e o método de organização devem ser comparados com os padrões do recurso, com as variedades de uso, com considerações econômicas e com a urgência.
A Promessa/Esperança da Máquina
O sucesso da automação na suplementação, em muitas áreas da atividade intelectual, das capacidades e habilidades do cérebro humano, juntamente com a crise desafiada na recuperação de conhecimento registrado, estimulou a especulação e um grau de experimentação nas potencialidades das máquinas para organizar e buscar registros gráficos. Tais investigações começaram com tentativas de adotar os mecanismos de seleção e, um pouco mais tarde, computadores mais sofisticados, para as operações de biblioteca. Mas todos eles foram desajeitados e poucos foram francamente bem sucedidos.
Falando diante do American Documentation Instituto em novembro de 1951, o presente autor profetizou que não estava longe o dia em que a mecanização transformaria a biblioteconomia e elevaria seus padrões profissionais a um nível impensado em 1876. Os anos passados desde que estas palavras foram pronunciadas não trouxeram o cumprimento desta profecia, mas se obteve muito progresso substancial para a realização de tal meta. Em 1952 havia apenas cartões perfurados e o Shaw Rapid Selector, e apenas o último foi expressamente projetado para busca mecanizada de informação. Hoje, o trabalho experimental está sendo feito em tais ‘hardware’ como os empregados em Eastman Kodak Miinicard, Western Reserve Searching Selector, Batten-Cordonnier Peek-a-book, na máquina do I.L.A.S. do U.S. Patent Office, Filmorex de Samain e Photoscopic Storage Device of International Telemeter de Gilbert King, para nomear apenas alguns. Para falar a verdade, a maioria destes só existe em forma de protótipo, mas os princípios de tais projetos foram firmemente estabelecidos, e pouco resta a não ser refinamento, melhoramento de circuitos e expansão de capacidades.
Esta mecanização é uma unidade de duas partes: a própria máquina e o sistema que emprega ou implementa. É neste último que estamos interessados. A grande esperança destas máquinas está no fato que os sistemas que utilizam vão tornar possível a conceituação da informação registrada em padrões que abordam o processo de conceituação no cérebro humano. Isto significa que o processo de pensamento humano e os sistemas de organização bibliográfica chegam a uma coincidência cada vez mais próxima. Percebe-se aqui uma relacionamento recíproco, pois quanto mais aprendemos sobre a operação do cérebro estaremos aptos a construir mecanismos cada vez mais desenvolvidos para imitar e expandir suas funções, e ao construirmos máquinas cada vez mais melhoradas vamos, sem dúvida, aprender mais e mais sobre o cérebro. Estivemos em erro, acredito, enfatizando a velocidade que estas máquinas podem alcançar. A luz turva do tubo eletrônico tem nos levado cada vez mais rapidamente para a via errada. Pois não está na velocidade mas nas capacidades a grande esperança da automação. É a força potencial de correlacionar, sintetizar e ainda manipular unidades de pensamento de conhecimento registrado que está aumentando a atenção para os circuitos da máquina e as capacidades do sistema que ela emprega, e obriga mais cuidado e compreensão da importância dos padrões de conhecimento e da transformação destes padrões em linguagens simbólicas que são passíveis de manipulação pela máquina. Assim, pode-se prognosticar um retorno à classificação como base da biblioteconomia, mas deve ser uma apreciação da classificação que advém do reconhecimento que:
1. o processo mental envolvido na ‘recuperação da informação’ difere daquele empregado em outros modos de acesso aos livros;
2. não há sistema de classificação universal aplicável a todas as situações, como não há um único padrão de pensamento humano;
3. o padrão de classificação apropriado a uma dada situação na biblioteca é condicionado por (a) volume de registro gráfico; (b) características do registro, e (3) padrão de pensamento do usuário individual.
O Futuro da Classificação
Pela fisiologia de seu corpo e a estrutura neurológica de seu cérebro o homem está aprisionado num mundo caleidoscópico de padrões móveis que nada mais são do que modos de classificação que não são aristotélicos na estrutura. A tarefa do bibliotecário e documentalista, então, é expandir a compreensão da classificação e aprender a usá-la mais eficazmente na comunicação da informação registrada. Ele deve valorizar a classificação não como um instrumento, mas como uma disciplina na qual se estude a reação e a resposta de uma mente viva para o registro produzido por uma mente distante e geralmente desconhecida; uma disciplina que busca alcançar uma compreensão melhor dos padrões em mudança do pensamento e os pontos de contato em que eles se relacionam com unidades específicas de informação registrada.
Parece haver alguma indicação que o homem está no início de uma profunda reorganização de sua estruturação departamentalizada de conhecimento. As antigas fronteiras estão se fraturando nas Ciências, nas Ciências Sociais, e nas Humanidades. A integração do conhecimento e a fertilização cruzada da interdisciplinaridade alcançaram uma nova popularidade. São indicativos desta tendência a Encyclopedia of Unified Science , publicada pela University of Chicago, o Social Relations Department em Harvard, o Institute for Management Science em Pittsburgh e a Society for the Advancement of General Systems Theory. Mas, pode-se questionar seriamente se tudo isto é menos a unificação do conhecimento do que sua reestruturação, uma reestruturação forçada pelo homem para o crescimento do próprio conhecimento. Agora que as transcrições da experiência humana se tornaram tão grandes que um único indivíduo não pode esperar abranger uma centésima parte disso no curso de uma vida, Kenneth Boulding propôs que a época pode ser propícia à rejeição do velho dogma do cientista que quanto mais sabe de tudo melhor, e substituir isso por uma doutrina de conhecimento mínimo . É o conhecimento mínimo, não o máximo, diz ele, que deve ser transmitido para que toda a estrutura da compreensão humana não se desintegre. [10]
Mas quaisquer que sejam os méritos da disciplina eicônica projetada por Boulding e sua indagação sobre o relacionamento mensagem-imagem no crescimento e na influência do conhecimento na sociedade, parece que uma nova síntese das ciências está em desenvolvimento/ocorrendo. Nesta síntese, o bibliotecário e o documentalista têm um importante papel, mas ele precisa basear/fundamentar sua contribuição numa compreensão melhor do que conseguiu até o momento, na conceituação e nos interrelacionamentos do conhecimento. Ele precisa se debruçar muito fortemente sobre as descobertas recentes da fisiologia (em particular a fisiologia do cérebro e a eletro-fisiologia), psicologia (especialmente a eletro-psicologia), cibernética, teoria da informação, linguística, antropologia, sociologia do conhecimento e história do pensamento; para não mencionar as chamadas ciências básicas como matemática, física, química e as ciências biológicas e sociais em geral. Isto é, na verdade, muito amplo, mas não significa que um bibliotecário deva dominar tudo. A biblioteconomia é um composto de muitas disciplinas. Num sentido limitado, também, é catalítica, pois pode acelerar a reação onde quer que atue. Se for verdade que o conhecimento registrado é autogenético, ao gerar mais conhecimento, então o bibliotecário do futuro pode ser visto como o geneticista de nossa vida intelectual.
* Publicado originalmente sob o título ‘Pattern, structure and conceptualization in classification’ em: Proceedings of the International Study Conference on Classification for Information Retrieval, Beatrice Webb House, Dorking, England, 13th-17th May 1957. London, ASLIB, 1957, p. 15-27; esta conferência é conhecida também com Dorking Conference; e publicada, também, em Shera, J. H.; Kent, A. and Perry, J. W. Informatioin Systems in documentation New York, Interscience, 1957, p.15-38.
** Nota do tradutor: O autor faz um jogo de palavras com a expressão ‘Diet of Worms’ que significa Assembleia parlamentar de Worms mas também pode significar dieta de vermes.
1. Alfred North Whitehead: Adventures of Ideas. N.Y., Macmillan, 1933, pp 196-7; 166
2. Jerome S. Bruner, Jacqueline J. Goodnow and George A. Austin: A Study of thinking. N. Y., Wiley, 1956, p. 244.
3. David Rapaport: The Organization and pathology of thought. N. Y., Columbia University Press, 1951, pp. 708-9.
4. W. Grey Walter: The Living brain. N. Y., Norton, 1953, p/ 72.
5. T. B. L Webster: ‘Communication of thought in Ancient Greece’. London, University College. Communication Research Centre. Studies in Communication’. London, Martin Secker & Warburg, 1955, pp. 124-46.
6. Rapaport: op. cit, p. 709.
7. Bruner: op. cit., p. 7.
8. S. S. Stevens: ‘Psychology; the Propaedeutic Science’, Philosophy of Science, v. 3 (1936), p. 103.
9. Charles I. Bernier and Karl F. Heumann: ‘Correlative indexes III. Semantic relations among semantemes – The technical thesaurus’ American Documentation v. 8 (July 1957), pp. 213-14.
10. Kenneth E. Boulding: Knowledege in life and society. Ann Arbor, University of Michigan Press, 1956, pp. 152-63.
Tradução de Hagar Espanha Gomes